19 de maio de 2015

Existe amor no ciclismo / A punição ao fair play

Nem só de doping e “quedas espetaculares” é feito o ciclismo. A sonolenta etapa de terça-feira proporcionou a melhor história do Giro d’Italia 2015, mesmo que ele ainda esteja entrando na segunda semana. Um dia com 200km entre Civitanova Marche e Forli, feito para o sprint e programado para não ter alterações entre os favoritos ao título teve seu roteiro alterado nos últimos km.

Um dos protagonistas foi o australiano Richie Porte (Sky), 3º colocado na classificação geral, a meros 22s do espanhol Alberto Contador (Tinkoff-Saxo) e a 19s do italiano Fabio Aru (Astana). “Os três tenores”, como a mídia italiana proclamou. Um pneu furado a poucos quilômetros do fim o deixou isolado. Até mesmo os companheiros e o carro da equipe estavam longe. O pelotão acelerando e o cronômetro impiedoso. E eis que, prontamente, um compatriota, de outra equipe, para de pedalar, tira o pneu dianteiro da sua bicicleta e faz o pit stop simplesmente por se tratar de um competidor do mesmo país que o seu.

O outro protagonista foi Simon Clarke (Orica GreenEDGE), que vestiu a maglia rosa por um dia, mas não tem aspirações na classificação geral. O fato também foi apontado por ele, posteriormente, para justificar que não estaria indo contra a sua equipe, que não tem ninguém em busca do título. É o de menos. Com uma decisão tomada em segundos, uma demonstração de fair play daquelas para ilustrar vídeo promocional da modalidade e ser apropriado por marcas diversas. Sensacional, para o espectador, que tenha sido da maneira que foi.

A agonia estampada no rosto de Porte é retratada nessa sequência de imagens. O anticlímax e os antagonistas da história vêm depois delas.





O vídeo dos 13 km finais não mostra a troca de pneus e ninguém tinha conhecimento dela até o final da etapa. Quando faltavam 5,6km, a transmissão da moto mostra um Sky ficando pra trás, procurando o carro da equipe. O que se vê depois são os companheiros da Sky num esforço de contrarrelógio – por coincidência, com outro australiano da Orica GreenEDGE – pra minimizar o tempo que Porte perderia. Em vão.

O pelotão fica confuso, com algumas equipes querendo diminuir o ritmo para esperar e outras querendo acelerar para pegar a fuga para o sprint. O tempo para uma decisão era escasso. No fim, não se fez nem uma coisa nem outra.

Porte chega 47s atrás dos concorrentes (Contador e Aru). Já beiraria uma eternidade. E eis que surge a punição ao fair play: A direção da prova pune Porte e Clarke com 2 (!) minutos (!!) na classificação geral.

O 3º colocado agora é o 12º, a infinitos 3min09s de Contador. Um pneu furado na hora errada destrói a preparação de meses e a programação para um ano inteiro. A aclamada disputa entre “os três tenores” está praticamente encerrada. Lamentável, para o espectador, que tenha sido da maneira que foi.

Depois da curva
A repercussão entre os ciclistas, principalmente aqueles que não estão lá e comentam no Twitter, obviamente foi negativa. O “tapetão” passou por cima do fair play. O diretor do Giro, Mauro Vegni, “lamentou” que tivesse de aplicar a regra da UCI. Ela cita algo parecido com “ajuda a um ciclista de outra equipe não regulamentada”. E determina que a punição seja de 2 minutos.

Richie Porte e David Brailsford, diretor da Sky

Com a palavra, os envolvidos (me desculpem os tradutores - não o google - mas tem hora que nenhuma tradução é o suficiente. Ou necessária).

Richie Porte, antes de saber da punição:
“45 seconds… We’ve been fighting for one or two seconds, then you have a little bit of bad luck. You have a long way to go. It was nice to see my team stop and help me, and Simon Clarke and Michael Matthews, good mates helping me as well. It’s not over. Taking the positives out of it; the legs felt great, [and I] live to fight another day”.

Simon Clarke, antes de saber da punição:
“He’s just another Aussie, mate. He punctured and obviously needed a hand. It was one of those split seconds where it could have cost him the Giro. It’s a unique situation, it’s not like we have someone on GC. All of Aussies get along well, it’s not like I was colluding with a team we are trying to race against. I’m just trying to help out a friend. Right when he stopped, he had no one. I was right there and about to sit up and roll in.

David Brailsford, diretor da Sky, depois da punição:
“Obviamente é decepcionante que um gesto esportivo tomado no calor do momento tenha resultado uma pena tão dura. Ninguém estava tentando ganhar uma vantagem desleal”.

10ª etapa, 19 de maio (quinta-feira) – 200km (perfil)
Classificação da etapa e geral (SR e GC)